A BUSCA DO CERTIFICADO
Era sexta-feira em 2006, mais ou menos quatorze horas, e na segunda já teria que estar com o certificado à mão, para entregar a Faculdade de História. O grande problema é que o bendito certificado havia atrasado pela instituição de Cambará-PR. Lembre-se que o mesmo era para ter sido entregue em dezembro passado, agora restavam poucas horas para chegar a Maringá-PR., para retirá-lo, já que a mesma instituição em Cianorte-PR., culpou a sede pela demora.
E agora como chegar lá? Ônibus? Não tinha nem horário e nem mesmo dinheiro, a solução era partir para a BR e arranjar uma carona, dessas do tipo de fazer um sinal com a mão. Mas eu dispunha mais do que isso, fiz um anúncio: Carona para Maringá-PR., e algo me ajudava, o meu ponto era em frente ao posto da polícia federal. A ansiedade era tanta que nem me importei com sol, pois meu pensamento estava a oitenta quilômetros. Por ali passavam de tudo, caminhões, motos, carros importados ou não, uns até buzinavam para mim, mas a maioria nem se importava, pois presumo que esse negócio de carona é por tudo, perigoso.
Não lembro nem do carro e nem da pessoa que me deu carona, mas cheguei a tempo, paguei os cinqüenta reais e retirei o motivo da minha aflição, o atrasado certificado. A instituição estava bem próxima a um ponto de ônibus (circular), e corri para o outro lado da rua, para o mais rápido possível pegar um e chegar a Paiçandu-PR., e de lá novamente uma carona.
Quando encostou um, perguntei se esse pararia no posto, o motorista balançou a cabeça com o sinal de sim, imediatamente embarquei. Estava com pouca gente, dessas que levantam às seis da manhã e que tem um dia entediante. A essa altura o sol já estava se pondo e eu estava a caminho do posto, o da saída de Paiçandu-PR.
Mas por um momento me ocorreu um pensamento: o ônibus está indo por um caminho que não conheço. Corri até a frente, e perguntei ao cobrador se o ônibus não iria passar no posto? Sim, disse ele, já passou. O quê? Mas esse ônibus não vai parar no posto da saída de Paiçandu? Risos... Não, a linha já está terminando. Mas vai parar onde? No embarque do trem de carga. Trem de carga? Sim. Naquele momento me lembrei de um provérbio da minha terra, é meio esdrúxulo me desculpe, mas resumiu o momento: “Para quem está cagado, um peidinho a mais não faz diferença”.
Perguntei: essa linha de trem vai sair em Paiçandu? Sim. Olhei firme para a linha e para a estrada de volta, o que fazer? Voltar, já estava tarde e o ônibus já havia encerrado seu expediente, a solução foi rumar na linha do trem e apertar o passo. Com pouco tempo de caminhada meus pés já estavam doendo, pois a modalidade de calçado que usava (sapa tênis) tinha o solado fino, e parecia que eu pisava diretamente nas pedras que estavam junto à linha, e o resulto disso foram os calos.
Ao longo da linha via-se muita sujeira, óleo derramado, grãos de todos os tipos, plástico e algum tipo de vegetação, mas na melhor das hipóteses, era mato mesmo. E o certificado? Estava na bolsa, mas não importava muito nesse momento, pois minha alma estava no regresso, o que parecia longe.
Alguns pensamentos nasceram no trajeto, e me trouxeram ansiedade e desânimo, e o velho existencialismo permeou meu ser, ou seja, vale a pena isso tudo por causa de um sonho? Ou, por que sofremos tanto em nossas conquistas? Pensei por um momento que eu era o único que sofria aquele tipo de angústia, mas o pior ainda estava por vir. Ouvi um barulho, era o trem, mas com apenas um vagão e o maquinista parecia que havia entrado em uma piscina de óleo, acenou com a mão. Deve ter pensando, imagino: o que esse doido faz nos trilhos do trem há essa hora? Mas passou rápido, e eu continuava andando. Quanto andei? Não faço idéia, mas imagino que uns 5 km no mínimo.
Comecei a avistar uma ponte, em cima tinha muito tráfego, embaixo um gol todo amassado, acho que era um do modelo bola. De repente um insight, eu estava debaixo da ponte que vai para Paiçandu, justamente no local em que eu deveria estar por cima, eu estava por baixo. Ai meu Deus! Percebi o tamanho do problema, pois a ponte estava em torno de uns oito metros de altura, e nas laterais eram barrancos, não tinha como subir. Quem apareceu novamente? O existencialismo, me martirizando e desafiando a viver em meio às lutas. Pensei, pensei. A frente estava à estação de carga dos trens, e voltar, não, nem pensar, era tarde e meus pés estavam doendo muito. Olhei a frente, uns duzentos metros e vi uma escada de ferro que levava até a fábrica ao lado. Oras, “Para quem está C... um P...” vocês já sabem, corri para a escada, subi em cima de um armazém, e desci me agarrando a barras de ferro.
Outra preocupação surgiu: teria guardas? Pitbulls? O fato é que saí correndo como louco, procurando a rumo o portão da entrada, ou da saída para o meu caso. Achei um portão, estado (trancado), mas fácil de pular, ao lado uma moto e um carro frente a uma espécie de escritório, não tinha ninguém, mas estava aberto. Não titubeei, pulei de um salto o portão e saí em disparada rumo a BR, corri, corri muito, passei a ponte e quase parei para confrontá-la pelo meu suplício, mas não havia tempo, quando cheguei ao pretendido posto, já era noite, e voltei novamente a pedir carona. Como? Dessa vez somente com o gesto do dedão, e após uma meia hora, parou um gol, e dos novos. Vai para onde amigo? Cianorte, tem como me levar? Ao que ele respondeu: Não tem como você me ajudar com cinco reais? Cinco reais? E eu achava que seria uma carona, pois eu estava sem nenhum centavo no bolso, tinha somente os cinqüenta que havia gastado com o bendito lá atrás. Moço, eu não tenho nenhum centavo, e se puder me ajudar... Sim, sim, vamos. O mundo já havia passado em minha cabeça, tântalo, serra pelada, rocinha, meninos de rua etc.
Meus pés e minhas costas não me prejudicavam mais que meus pensamentos que ainda me conturbavam rumo a Cianorte, e estrada a fora, comecei a conversar com o “moço”, aparentava uns trinta e sete anos, olhos cansados, magro, nariz fino e feição de sofrimento, e era mesmo. Abriu-me o coração e disse que estava por se separar da família, e que tinha filhos da minha idade. Comecei a pensar na vida do moço, e então notei que meu sofrimento era ínfimo perto do dele.
Conversa vai, conversa vem, até que chegamos ao seminário em Cianorte, creio que já eram umas vinte horas, agradeci ao moço, e entendi que o sofrimento é uma ferramenta muito eficaz para moldar nossa história, e o apóstolo Paulo parece que entendia bem isso:
“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados. Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos..” IICo 4.7-9
Bom Dia Jean....
ResponderExcluirAcredito que essa historinha não foi nada fácil passar por ela...
Tu és uma pessoa que admiro, respeito, e tenho como exemplo!
Deus seja louvado na sua vida!
Forte abraço...
Vinícius F. Bolzan
Está correto. O sofrimento é mesmo uma arma eficaz para moldar nossa história. Lembrei-me da peça de Thornton Wilder citado por Brennan Manning em seu livro O impostor que vive em mim: "Sem suas feridas, onde estaria seu poder? (...) Nem mesmo os próprios anjos conseguem convencer os filhos miseráveis e desajeitados na terra como consegue um ser humano quebrado pelas rodas do viver. A serviço do Amor, apenas soldados feridos podem se alistar."
ResponderExcluirKeep writing!
GOSTEI DO SEU TEXTO JEAN, TEMOS QUE USAR O SOFRIMENTO COMO FORMA DE CRESCIMENTO E NÃO DESANIMAR DIANTE DAS DIFICULDADES QUE NOS SÃO APRESENTADAS. ABRAÇO
ResponderExcluirbhaa Pr. Jean. me lembro desta Historia, você e seu sapatenis marron rsrsrs.... Creio que Deus Honra seus filhos assim com tem Honrado seu ministerio pastoral.
ResponderExcluirTenho comigo que o Cristianismo exige estas provas e que estar com Cristo não significa ausencia de problemas ou uma vida glamurosa, mas tenho a certeza que estar com Cristo significa que sempre seremos Vencedores.. Paz de Cristo
Amigo de Deus, que história. E me lembro sim da história do chinelo. você está indo muito bem. Meus parabéns, que Deus continue te abençoando. Saiba que eu te admiro muito. Pela força, pela garra. Pelo lutador que você é. A Paz Querido Amigo. Um abraço. E, eu espero a publicação de seu livro.
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